Dar uma seca à censura
A censura ainda existe. Qualquer pessoa minimamente informada saberá isso. Agora se dissermos que a censura ainda existe no Reino Unido, é capaz de haver alguns indivíduos apanhados de surpresa.
Mas é verdade. No Reino Unido as obras audiovisuais têm todas de ser classificadas pelo BBFC (British Board of Film Classification), que significa algo como Conselho Britânico para a Classificação de Filmes. Até aqui tudo normal. Nós também temos cá em Portugal o IGAC, que faz o mesmo. A diferença é que o BBFC pode recusar-se a classificar uma obra, se achar que o seu conteúdo é inapropriado, e uma obra sem classificação do BBFC não pode, por lei, ser disponibilizada no Reino Unido. Quem infringir essa lei pode ser preso. Ou seja, o BBFC pode censurar um filme. Em plena Europa do século XXI.
Só que a lei também diz que o BBFC tem obrigatoriamente de assistir à totalidade de um filme que lhe solicite classificação. E eis que Charlie Lyne, um jovem cineasta e crítico de cinema de Londres tem uma ideia: pintar uma parede e filmá-la enquanto a tinta seca... durante horas. Depois vai pedir ao BBFC para classificar o filme. Charlie vai dar uma seca à censura.
Pedir a classificação de um filme ao BBFC é caro (só por si uma forma de censura), pois além do valor base ainda se paga um extra por cada minuto de filme. Uma longa metragem pode chegar às 1000 libras. Para garantir que a censura leva uma seca valente Charlie recorreu à plataforma de crowd funding Kickstarter, onde qualquer utilizador pode contribuir com dinheiro para o projeto.
O prazo para contribuições está quase a terminar e o filme já conta com mais de 13 horas de duração garantidas. Esperemos que 13 horas a olhar para uma parede dê aos censores tempo para refletir no seu papel, mas sobretudo que o projeto gere discussão suficiente para que o Reino Unido encontre uma nova forma de fazer as coisas.
E o que é que isso tem a ver com videojogos?
Ainda bem que perguntam.
Tal como o IGAC em Portugal, o BBFC era a entidade responsável pela classificação de videojogos no Reino Unido. Na verdade foram apenas dois os videojogos censurados pelo BBFC: Carmageddon e Manhunt. Mas pessoalmente acho o simples facto de um jogo (ou filme) poder censurado, no mínimo, preocupante.
Não sei se repararam que escrevi que o BBFC era a entidade responsável pela classificação de videojogos. O que aconteceu?
Em 2007 o Primeiro Ministro britânico Gordon Brown encomendou um estudo independente sobre a segurança das crianças no "mundo digital". O estudo, realizado pela psicóloga Tanya Byron, teve o mérito de ser realizado com grande sobriedade e nenhum alarmismo. As recomendações e ações que dele resultaram foram, no geral, bastante positivas e focadas na formação dos pais e na liberdade de escolha.
No que toca à classificação dos videojogos, Tanya Byron fez notar que já existia um sistema de classificação de jogos comum a toda a Europa: o PEGI. Ter dois sistemas de classificação não só era desnecessário como se tornava confuso. Em 2012 entrou em vigor no Reino Unido nova legislação que determinou que o BBFC deixava de ser responsável pela classificação de videojogos em favor do sistema PEGI. Os videojogos livraram-se da censura.
Os videojogos livraram-se da censura porque a indústria dos videojogos se preocupou e tomou a iniciativa de criar este sistema de classificação único para toda a europa. A indústria do cinema nunca fez semelhante movimento e por isso continua refém das regras de cada país. Este projeto de dar uma seca à censura é louvável e a crítica que faz ao sistema do BBFC é importante, mas penso que a solução terá de partir da própria indústria e ser mais abrangente.
Já agora: Em Portugal os videojogos têm de ter o selo de classificação do IGAC, mas não é o IGAC que decide a classificação etária a atribuir a cada título. O IGAC reconheceu a relevância do sistema PEGI e atribui automaticamente a classificação definida pelo sistema europeu.