Jogador expulso por apoiar protestos em Hong Kong
O mundo pertence à China. Ou pelo menos está cada vez mais perto disso. O que me leva a dizê-lo não é nenhuma análise macroeconómica. Não. O maior indicador são as pequenas coisas.
A Blizzard é uma das maiores produtoras de videojogos do mundo, criadora de sagas de renome como Warcraft, Starcraft, Diablo e, mais recentemente, Overwatch. E também Hearthstone, um título menos conhecido mas igualmente popular, que é uma espécie de Magic: The Gathering em formato digital.
Está atualmente a decorrer o campeonato Hearthstone Grandmasters: uma espécie de Liga dos Campeões onde competem os melhores jogadores mundiais de Hearthstone. Ao todo a competição atribui 500.000 dólares em prémios. Os jogos são transmitidos pela internet, bem como todo o tipo de conteúdos relacionados, sejam entrevistas, comentários ou biografias dos jogadores.
E foi no passado dia 6 de outubro que, numa entrevista após uma partida em Taiwan, o jogador Ng Wai Chung colocou uma máscara à semelhança dos manifestantes em Hong Kong e exclamou "Libertem Hong Kong".
[BREAKING] Hong Kong Hearthstone player @blitzchungHS calls for liberation of his country in post-game interview:https://t.co/3AgQAaPioj
— 🎃 Inven Global 🎃 (@InvenGlobal) October 6, 2019
@Matthieist #Hearthstone pic.twitter.com/DnaMSEaM4g
Podia ter sido um pequeno episódio rapidamente esquecido... só que a Blizzard resolveu agir.
Ng Wai Chung foi rapidamente desqualificado da competição, perdendo direito a 4.000 dólares de prémios que já tinha acumulado. O motivo oficial foi ter violado uma regra que proíbe os atletas de fazer qualquer coisa que "cause ofensa a uma parte ou grupo do público ou que, de alguma forma, prejudique a imagem da Blizzard". Uma punição dura para quem só manifestou o desejo de liberdade.
Mas não foi só. O atleta foi ainda banido de futuras competições durante um ano. Uma punição que começa a ser exagerada.
Mas não foi só. Os dois apresentadores que estavam a conduzir a entrevista foram despedidos. E aqui já exagerámos no exagero.
Como podem imaginar, esta situação não passou despercebida e as críticas choveram. Não só entre os jogadores mas também um pouco por toda a indústria e entre políticos americanos Democratas e Republicanos. Até alguns empregados da Blizzard fizeram uma manifestação de protesto á porta da sede da empresa, chamando a atenção para dois dos 8 valores que a própria Blizzard assume como sua missão:
- "Todas as vozes são importantes", em que a empresa encoraja todos os seus empregados a pronunciarem-se e a ouvirem as opiniões e críticas dos outros.
- "Pensar global", em que a empresa se compromete a apoiar a sua comunidade de jogadores mesmo apesar das diferenças culturais.
E com este expectável "efeito Streisand", porque é que a Blizzard teve uma reação tão drástica?
Dinheiro. Muito.
A China é um dos maiores mercados do mundo para a indústria dos videojogos. E, para além de grande, continua em crescimento. E a China não é um mercado livre. Para operar na China, as empresas estrangeiras têm de obedecer a uma série de regras e operar em conjunto com empresas chinesas. E a autorização para operar na China pode ser revogada a qualquer momento, se as autoridades do país assim entenderem.
É, portanto, normal que a Blizzard não queira que nada nos seus jogos ou eventos possa perturbar as autoridades desse mercado tão importante. Mesmo que isso implique ser permeável aos seus próprios valores ou à Constituição do seu país de origem.
Foram as autoridades chinesas que exigiram à Blizzard que tomasse medidas? Duvido, mesmo que algumas teorias da conspiração apontem para o facto de uma das maiores empresas tecnológicas chinesas - a Tencent - ser dona de 5% da empresa.
Não. A verdade é que a importância do mercado chinês é tal que este tipo de reação se tornou natural e instintiva. Não queremos importunar, nem mesmo quando se trata de direitos fundamentais.
São as pequenas coisas que mostram a influência que a China conseguiu conquistar sobre o capitalismo ocidental.
E isto não terá sido um caso isolado?
Apenas um dia antes deste caso, Daryl Morey, o diretor da equipa americana de basquetebol Houston Rockets, publicou na sua conta do Twitter uma mensagem de apoio aos protestos em Hong Kong. Daryl Morey apagou o seu tweet. Daryl Morey pediu desculpa. A NBA publicou uma declaração a criticar Morey. Morey pode vir a ser despedido.
A abertura do mercado Chinês não é só uma oportunidade económica. É também uma oportunidade de tentar influenciar positivamente as políticas restritivas do país, rumo a um futuro mais aberto. Infelizmente, parece que estamos a assistir ao percurso inverso.