O vício em videojogos foi oficialmente reconhecido como uma doença pela Organização Mundial de Saúde.
Se estão a ter uma sensação de dejá vu, isso é porque a notícia tem vindo a ser divulgada ao longo de mais de um ano pelos órgãos de comunicação social. Só que essas notícias esqueciam-se de referir que o tema estava apenas em discussão e que, de cada vez, se tratava apenas de mais uma ronda de apreciação do novo documento.
Mas agora é mesmo definitivo. A versão final do novo índice de classificação de doenças - International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems - foi aprovada no passado dia 25 de maio e inclui oficialmente o transtorno do videojogo ("gaming disorder").
A decisão tem sido altamente contestada. E não só pela indústria dos videojogos. Vários grupos de cientistas têm defendido que não existem provas concretas de que esta condição seja, de facto, um problema causado pelos videojogos ou apenas um sintoma de outros distúrbios. E, no limite, esta classificação oficial pode levar os profissionais de saúde a diagnosticá-la sem procurar outro tipo de problemas mais graves que possam estar a afetar o paciente.
Eu partilho dessa preocupação. Já escrevi anteriormente sobre o quanto me assusta a ideia de clínicas para tratar de viciados em videojogos, sobretudo quando são crianças ou adolescentes.
Por outro lado, estamos a falar da OMS. Uma organização deste nível certamente não tomaria uma tal decisão de ânimo leve ou de maneira desinformada, certo?
Bem... ironia do destino, apenas 3 dias antes do vício em videojogos ser reconhecido oficialmente pela OMS foi divulgado um relatório do Congresso dos Estados Unidos que nos dá razões para preocupação.
Segundo esse relatório, uma empresa farmacêutica falsificou estudos sobre o potencial de alguns opioides para causar dependência nos doentes que os tomam. E depois moveu uma campanha de influência sobre a OMS, para que a organização tomasse esses estudos como válidos e permitisse a prescrição desses fármacos sem grandes restrições, quase como se de Aspirinas se tratasse.
Na prática, a Purdue Pharma - fabricante do OxyContin - viciou as recomendações da OMS sobre o seu medicamento. Os Estados Unidos enfrentam atualmente uma grave crise de dependência em opioides.
Além de grave e dramático, isto causa um enorme rombo na confiança que se pode ter na OMS. E é particularmente preocupante numa altura em que grupos altamente desinformados promovem ideias falsas como a anti-vacinação.
Tenho dúvidas que a OMS tenha feito uma decisão informada no caso do vício dos videojogos. Não digo que o problema não exista, mas parece-me claro que necessita de estudos adicionais. E digo-o, não como ex-profissional da indústria dos videojogos, mas como ex-estudante de Bioquímica.
Por outro lado, não tenho dúvidas que todos devem ser vacinados. Se não têm as vacinas em dia, tratem disso!
E quanto aos videojogos: joguem sempre com moderação.