Chegou hoje às lojas Star Wars Battlefront II.
O mais recente jogo baseado na criação de George Lucas foca-se nos confrontos multijogador online, tal como o seu antecessor direto, mas inclui uma campanha para ser jogada a solo e que conta a história do que aconteceu entre o final do Episódio VI e o início da mais recente trilogia de filmes. No geral parece ser um bom jogo.
Mas durante as últimas semanas Star Wars Battlefront II tem sido uma história épica de má publicidade. Uma "divina tragédia", que foi evoluindo de reclamações dos fãs até ao recorde de comentário com mais votos negativos de sempre no Reddit, passando por investigações de organismos oficiais de vários países sobre a sua legalidade.
A causa? O sistema de progressão no jogo, baseado na sorte e com opção de gastar dinheiro adicional.
É que, tal como em muitos outros videojogos, à medida que joga Battlefront II cada jogador pode desbloquear novas habilidades, novas personagens e melhor equipamento. O problema surge quando essas novas habilidades e melhor equipamento podem ser "compradas", ou pelo menos obtidas mais rapidamente, se o jogador pagar dinheiro adicional por elas.
Quem gastar mais dinheiro tem vantagem sobre os outros jogadores. Ou, pior ainda, quem não pagar dificilmente conseguirá competir com quem pagou. E foi essa a sensação com que ficaram os fãs que participaram nas fases de testes ao jogo das últimas semanas.
Em resposta, os criadores do jogo lembraram que todos os bónus podem ser desbloqueados simplesmente jogando. Pagar serviria apenas para acelerar o processo.
Só que alguns jogadores fizeram uma estimativa do tempo que demoraria a desbloquear todos os bónus sem recorrer a pagamentos e calcularam que fossem mais de 4.500 horas. Se compararmos jogar Battlefront II com um emprego a tempo inteiro, de 35 horas semanais, isto equivale a mais de dois anos e meio.
Vendo desta perspetiva, pagar parece mais uma necessidade do que um atalho. Aliás, parece mesmo que o jogo procura "empurrar" os jogadores no sentido de gastarem mais dinheiro.
E há muitos jogos gratuitos que conseguem grandes receitas vendendo conteúdos adicionais sem que isso seja um problema. É o modelo de negócio mais habitual nos jogos para telemóveis: quase sempre gratuitos mas altamente lucrativos. A grande diferença é que esses jogos são, tal como escrevi na frase anterior, gratuitos. Star Wars Battlefront II custa 69,99€ para as consolas.
E temos portanto um jogo de 70€ em que:
- os jogadores são quase obrigados a gastar dinheiro adicional para se manterem competitivos;
- os jogadores que gastarem mais dinheiro têm vantagem competitiva sobre os outros.
Mas não é tudo.
É que, para além disto, gastar dinheiro não garante que o jogador receba os bónus que quer ou que necessita. Em Battlefront II não se compram itens virtuais: compram-se "caixotes". Dentro de cada caixote virtual vem um conjunto de bónus decidido aleatoriamente. É mais ou menos como comprar um Kinder Surpresa...
Foi esta característica que levou as entidades americanas e belgas responsáveis a investigar as mecânicas do jogo. Surgiram dúvidas sobre se estas práticas podiam ser consideradas jogos de azar, com todas as implicações legais e penais que poderiam acarretar.
As decisões foram sempre no sentido de que não, comprar caixas com itens aleatórios não é um jogo de azar. Tal como comprar um Kinder Surpresa não o é. Mas lá que está muito próximo e que há toda uma economia e conjunto de mecânicas dentro do jogo a "puxar" pela carteira dos jogadores, isso é indiscutível.
As últimas semanas foram um crescente escalar de contestação ao jogo. As respostas da Electronic Arts às preocupações dos jogadores foram constantes mas insuficientes.
Uma primeira resposta, a garantir que o tempo elevado que demora a desbloquear novos heróis no jogo serve para tornar esse feito mais satisfatório para os jogadores, tornou-se no comentário com mais votos negativos de sempre no Reddit. Logo de seguida a editora reduziu em 75% o custo para desbloquear esses heróis.
Tentativas posteriores de explicar as mecânicas e a economia virtual do jogo e de assegurar que estes sistemas estariam em constante monitorização para garantir a melhor experiência possível não conseguiram mais do que deixar uma sensação de desconfiança nos fãs, muito por causa da ausência de informações concretas.
A novela chegou a uma conclusão dramática ontem: A poucas horas do lançamento do jogo a Electronic Arts suspendeu todos os sistemas de compras virtuais do jogo, assumindo que tinha falhado na forma como os implementou.
Uma solução drástica mas tardia. Nas vésperas da sua chegada às lojas, a quase totalidade da cobertura jornalística àquilo que parece ser um bom jogo de um franchise bem-amado foi de negatividade e desconfiança.
O lançamento de Star Wars Battlefront II devia ser um começo. Mas parece mais um epílogo, onde iremos descobrir o real custo que este modelo de negócio forçado terá nas vendas do jogo.
Não há nada de errado com os modelos de micro-transações dentro dos jogos. Muitos títulos conseguem fazer fortunas e serem em simultâneo adorados pelos jogadores. Mas quando a ânsia de rentabilizar um produto se sobrepõe a tudo o resto, o resultado dificilmente poderá ser positivo.
Estes modelos de negócio não são inerentemente maus. Mas estão a tornar-se cada vez mais comuns. E sobretudo estão a tornar-se comuns em jogos de preço elevado, quando originalmente serviam como alternativa a exigir dos jogadores um pagamento "à cabeça" e permitiram o aparecimento de muitos jogos gratuitos e de qualidade.
Estamos a passar do "free to play" (joga sem pagar) para o "pay to win" (paga para ganhar). E, neste caso, a pedir aos jogadores para pagarem duas vezes: paga para jogar e paga outra vez para ganhares.
A minha esperança é que toda esta negatividade sirva para chamar a atenção de Electronic Arts e todas as outras editoras sobre a necessidade de equilíbrio e bom senso. Porque esta estratégia de negócio dificilmente vai compensar. E todos - editoras, estúdios de desenvolvimento e jogadores - acabarão por sair prejudicados.