O apocalipse emocional
As discussões sobre adaptações de videojogos ao cinema e vice-versa costumam resumir-se à (geralmente fraca) qualidade das mesmas. O problema, se calhar, está na abordagem: "adaptar" é redutor para ambos os meios. Sobretudo porque são meios com características únicas.
Mas essa abordagem parece estar a mudar. Aos poucos surgem produtoras conscientes das diferenças fundamentais na narrativa e envolvência possíveis em cada meio.
Um exemplo será a Annapurna Pictures, que em dezembro passado anunciou que iria passar a publicar também videojogos. Não videojogos baseados nos seus filmes, mas videojogos com a sua identidade própria.
Um novo exemplo surgiu esta semana, de um estúdio relativamente desconhecido mas fundado por grandes veteranos da indústria dos videojogos.
A Hinterland Studio tem estado a trabalhar no jogo The Long Dark. Este primeiro título da empresa coloca o jogador numa luta pela sobrevivência num cenário pós-apocalíptico. Até aqui parece do mais cliché possível num videojogo. Só faltam os zombies e os tiros. Mas não.
Em The Long Dark é preciso sobreviver à força da Natureza. Ao frio, à fome, ao desespero. O jogo é implacável, pois começamos no meio do nada e não existem "poderes especiais". É possível morrer de frio passados poucos minutos de jogo. Enquanto videojogo, transmite na perfeição a fragilidade do ser humano fora dos confortos da civilização. E a componente narrativa também parece estar bem encaminhada. Vejam este fantástico trailer de lançamento:
O jogo captou a atenção de Jeremy Bolt, produtor dos filmes baseados em Resident Evil. E esqueçam por momentos as opiniões que possam ter sobre estes filmes protagonizados por Milla Jovovich: a verdade é que é uma das mais duradouras e rentáveis séries de filmes baseados em videojogos.
Bolt adquiriu os direitos para uma adaptação ao cinema de The Long Dark. O anúncio foi feito na passada segunda-feira e, para quem tivesse dúvidas da qualidade expectável para o filme, foi lançado um trailer. Um trailer que não é bem um trailer. É uma curta-metragem. Ou, nas palavras de Bolt, um poema visual.
E é narrado por Christopher Plummer.
E é absolutamente extraordinário e imperdível.
Os videojogos também estão a evoluir na sua capacidade narrativa e exploração dos elementos emocionais e contemplativos, reforçando o impacto que têm no jogador, reforçando o seu próprio valor artístico. E creio que é isso que está a facilitar as adaptações dos jogos ao cinema e do cinema aos jogos.
Sugestão de leitura: A Rolling Stone tem um excelente artigo sobre o que é um videojogo. É escrito pela criadora de "Walden, A Game", um título que replica a obra "Walden" de Henry David Thoreau em formato de videojogo. É um ótimo texto sobre o potencial dos videojogos enquanto meio artístico.