A inteligência artificial tem estado na berra nos meios tecnológicos, a par da realidade virtual. O potencial é imenso. Imaginem poder fazer compras online "conversando" com o site ou app, pedindo o que querem com um discurso natural em vez de andarem a pesquisar em páginas e páginas por aquilo que pretendem comprar; ou receber sugestões de uma assistente virtual com a Siri ou a Cortana que antecipam as vossas necessidades e têm em conta os vossos gostos e preferências.
E mais do que interagir com toda a tecnologia de uma forma natural, a inteligência artificial pode ajudar a fazer progressos científicos inesperados. É que os computadores têm sido essenciais para muitas áreas científicas mas basicamente são calculadoras potentes: ajudam a fazer as contas mas o cérebro humano é o único a realmente ter ideias, a identificar padrões e a experimentar e tirar novas conclusões. E o cérebro humano é falível e limitado. Se conseguirmos que os computadores façam em larga escala esse trabalho de identificar e experimentar... o céu é o limite.
O problema é que os recentes avanços na inteligência artificial não têm sido propriamente fabulosos.
Sim, há grandes progressos nas tecnologias de "deep learning" (abstração no processamento de dados) e notícias com títulos hiperbólicos a prometer descobrir o sentido da vida usando computadores, mas depois os resultados práticos são sistemas de bots mais ou menos estúpidos, que pouco mais fazem do que os do IRC no século passado.
Também houve aquele trailer do filme de terror Morgan que foi criado por uma inteligência artificial. Apareceu em noticiários sem que reparassem que a tal inteligência artificial apenas tinha comparado cenas do filme com cenas de outros filmes para selecionar umas quantas. O trailer final apresentado teve de ser editado por uma pessoa humana, que cortou algumas partes das cenas e as organizou de forma coerente. Depois ainda foi adicionada a música (por humanos também, claro) para finalmente termos um trailer digno desse nome. Ou seja, a parte "inteligente" do processo não foi feita pela inteligência artificial.
Mas isso tudo é o hype - a excitação que se tenta criar para promover novas tecnologias e produtos. Há progressos reais na inteligência artificial, como por exemplo o recente feito da Deep Mind (projeto adquirido pela Google em 2014), que conseguiu pela primeira vez derrotar um jogador humano no clássico jogo de tabuleiro oriental Go.
A Deep Mind já escolheu o seu novo desafio: Vencer um jogador humano numa partida de StarCraft II.
![StarCraft II DeepMind StarCraft II DeepMind]()
Mas isso não devia ser mais simples?
Um computador conseguir jogar computador mais depressa e de forma mais eficiente que um humano parece óbvio. Aliás, os videojogos desde cedo tiveram as suas próprias "inteligências artificiais", adversários controlados pelo CPU (o processador do PC ou consola) contra os quais nos degladiamos. Aliás (novamente), o StarCraft desde sempre permitiu jogar contra o CPU. Qual é a novidade?
A novidade é que a inteligência artificial da Deep Mind vai tentar fazer isto sem recorrer aos truques habituais nos adversários controlados pelo CPU. O desafio é conseguir que a inteligência artificial jogue usando apenas a informação que seria visível no ecrã a um jogador humano, tendo de navegar pelos mapas e pela interface do jogo à mesma velocidade e dando os mesmos passos que uma pessoa com o seu teclado e rato.
E depois há toda uma complexidade adicional de um jogo de StarCraft em relação ao Go e que não passa apenas pelas regras.
Um jogo de Go é um tabuleiro em que ambos os jogadores podem ver sempre a posição de todas as peças. Já os mapas de StarCraft só são visíveis depois de serem explorados e as unidades (as "peças") do adversário só podem ser vistas se estiverem perto de unidades nossas. A quantidade e tipo de unidades que o adversário coloca em jogo são desconhecidas e podem variar constantemente. Podem ser adicionadas barreiras artificiais ao mapa por cada jogador. Há recursos que é necessário descobrir e gerir para realizar todas estas ações. E depois, para ganhar, ainda é preciso um pensamento estratégico que possa conduzir à vitória.
Por tudo isto, este desafio de tentar que uma inteligência artificial consiga derrotar um jogador humano em StarCraft II é verdadeiramente empolgante. O simples facto de estar a ser tentado é uma prova do quanto esta tecnologia está a evoluir.
O projeto está a ser desenvolvido em parceria entre a Deep Mind e a Blizzard, os criadores de StarCraft. Para isso talvez tenha ajudado o facto de um dos cientistas da Deep Mind já ter sido o melhor jogador de StarCraft de Espanha (não, os videojogos não tornam os adolescentes estúpidos).
A Blizzard também está entusiasmada com o facto de poder no futuro criar jogos com adversários virtuais mais inteligentes. E também com a possibilidade da inteligência artificial poder servir como uma espécie de treinador virtual para as equipas profissionais que competem em dezenas de campeonatos por todo o mundo.
Os videojogos ajudam os humanos a desenvolver uma série de competências como resolução de problemas, memória e percepção. E agora também vão ajudar a desenvolver as competências da inteligência artificial.