Fazer jogos não é fácil. Pensem na complexidade de criar um grande filme, com o trabalho de escrita, de produção, de atores, de edição, música e por aí fora, e juntem-lhe toda a componente de programação informática em tecnologias de ponta. É como pegar na dificuldade de um grande projeto de Hollywood e multiplicá-la por mil.
A probabilidade de algo correr mal é grande. Se quase todos os programas informáticos têm bugs, um programa informático com o volume e complexidade de um videojogo moderno tem sempre imensos. Por isso devemos ser compreensivos quando um jogo acabado de lançar apresenta alguns problemas. Compreensivos, mas não parvos.
Tempos modernos
Com a disponibilidade quase universal da Internet, hoje em dia é fácil lançar correções para os jogos já depois do seu lançamento. "Eu ainda sou do tempo" em que os jogos eram vendidos em cartuchos de plástico e a Internet só existia em algumas empresas e com velocidades minúsculas. Se um jogo tinha um bug, não havia correções: só se a editora produzisse novos cartuchos e os distribuísse novamente por todas as lojas. Portanto, ter a possibilidade de ver os bugs dos jogos corrigidos através do download de uma atualização é bom. Certo?
Sim, é bom. Mas apenas até se começar a abusar do sistema. E parece que cada vez mais os jogos são postos à venda com sérios problemas porque as editoras sabem que podem corrigir esses problemas mais tarde. Um videojogo "de topo" pode custar dezenas ou centenas de milhões de euros a ser produzido e demorar vários anos. Adiar um lançamento significa ter mais custos com o seu desenvolvimento e não ter o retorno financeiro na altura esperada, o que por sua vez pode significar que a editora vai apresentar aos seus acionistas resultados abaixo do esperado, o que por sua vez pode fazer com que a empresa perca ainda mais dinheiro nas bolsas de valores. Podem portanto imaginar a tentação que é para estas empresas o poder lançar um jogo "já" e corrigir os problemas mais tarde.
2014 foi um ano cheio de exemplos de grande visibilidade, mas 2015 não lhe ficou muito atrás. O mais recente jogo do Batman - Arkham Knight - foi muito bem recebido pela crítica, mas mal recebido por quem comprou a versão para PC. Vejam um exemplo dos problemas encontrados pelos jogadores:
Os problemas e as queixas foram de tal forma que a editora Warner decidiu em junho suspender as vendas dessa versão do jogo até que tudo estivesse resolvido. As vendas só foram retomadas em outubro e mesmo assim o estado do jogo ainda não era suficientemente bom: a editora acabou por aceitar devolver o dinheiro aos compradores de forma incondicional.
Este foi talvez o exemplo mais marcante, quer pelas marcas envolvidas quer pelo tempo que se arrastou, mas não foi caso único. Ainda na semana passada surgiram relatos de variados problemas com Just Cause 3, como por exemplo:
A editora de Just Cause já veio dizer que vai corrigir os problemas, mas que ainda não sabe quando. Não me parece uma resposta que deixe descansados os jogadores afetados.
Um exemplo mais curioso é o de Fallout 4, um sério candidato a jogo do ano. Também ele está afetado por inúmeros bugs, mas ao contrário dos outros títulos, este não tem gerado tanta ira ou preocupação. O motivo é simples: a saga Fallout e os seus criadores são conhecidos pela gigantesca dimensão e variedade dos seus jogos.
Em Fallout o jogador pode fazer praticamente tudo e praticamente tudo pode acontecer. As variáveis são tantas que os fãs aceitam como inevitáveis alguns problemas, prontamente desculpados pelo nível de qualidade geral do jogo e pelas experiências únicas que permite.
E há esperança para o futuro? Esta tendência dos jogos com problemas irá manter-se ou podemos esperar melhorias?
Acho que há esperança. Dois dos principais "culpados" de 2014 - Halo: The Master Chief Collection e Assassin's Creed: Unity - tiveram novos capítulos lançados este ano sem problemas de maior. Ou pelo menos sem problemas tão graves. Houve claramente vontade de melhorar.
E depois houve um caso extremo: Afro Samurai 2, um jogo baseado numa manga (banda desenhada japonesa) do mesmo nome, que já teve direito a uma série de animação para TV com a voz de Samuel L. Jackson.
Afro Samurai 2 foi lançado em setembro deste ano. Aparentemente estava tão mau que os seus criadores viram-se forçados a reconhecer que não iam conseguir resolver os seus inúmeros problemas. A única solução foi, à semelhança do que os samurais faziam quando caíam em desgraça, cometer hara-kiri para recuperar a honra. Os criadores do jogo devolveram o dinheiro a quem o tinha comprado e de seguida removeram-no completamente das lojas online onde era distribuído.
Há uma questão de fundo nesta história: Se o jogo estava assim tão mau porque é que o colocaram à venda? Teria sido melhor cancelar o projeto sem o deixar ver a luz do dia. Mas, uma vez cometido o erro de lançar um jogo cheio de falhas, haja respeito pela decisão de matar um jogo que se acabou de lançar. Não consigo imaginar o quanto terá sido difícil para toda a equipa que trabalhou no projeto. Pela minha parte, considero a honra dessa equipa recuperada e espero que possam vir a criar novos jogos com melhor sucesso. E, sobretudo, que estes exemplos sirvam de alerta a todas as editoras para a necessidade de lançar os seus jogos com a qualidade que os jogadores merecem e exigem.